Carlos Madeiro
Do UOL, em Tacaratu (PE) 
A seca no Nordeste é sempre sinal de sofrimento para o sertanejo. Mas a falta 
de chuva também movimenta o meio político e o comércio das cidades atingidas 
pela estiagem. A chamada “indústria da seca” fatura alto com a falta de 
alimentos para os animais e de água para os moradores.
O exemplo mais conhecido no sertão –e relatado por diversos moradores ao 
UOL–  é o uso político na distribuição dos carros-pipa, marca 
registrada do assistencialismo simples. Segundo os relatos, alguns políticos 
visitam as comunidades e se apresentam como “responsáveis” pelo envio da água. 
Os moradores também reclamam da alta nos preços de serviços e alimentos para os 
animais.
Foto 56 de 70 - Carros-pipa 
abastecem veículos no rio São Francisco para abastecer cidades afetadas pela 
seca em Sergipe Beto 
Macário/UOL
 
 
 
 
 
 
 
“A prefeitura nos ajuda muito, nos mandando água por carros-pipa. Às vezes 
demora, mas sempre vem”, conta a agricultora Maria Gildaci, 66, de Tacaratu 
(PE), sempre citando que o prefeito é "quem manda" o carro para a sobrevivência 
dela e da família, que vive em uma pequena casa no sítio Espinheiro. 
Falas como a Gildaci, agradecendo os políticos, são comuns, mas a prática 
está sendo combatida por organizações do semiárido. “Água é um direito, não é 
dada de favor. Agricultores relatam com frequência que vereadores se apresentam 
trazendo carros-pipa e que prefeitos estão se utilizando disso para as eleições. 
Estamos fazendo levantamentos e vamos tentar identificar onde isso está 
ocorrendo para tomarmos providências”, afirma o coordenador da ASA (Articulação 
do Semiárido), Naidson Batista.
Para Batista, o uso político da água é histórico no Nordeste, mas vem 
perdendo força nos últimos anos. “A indústria da seca, na história brasileira, é 
um instrumento de alguns, em detrimento de outros, para aumento de poder 
econômico, político ou social de determinado grupos. Embora ela venha perdendo 
força, não seria possível erradicar uma prática de 400 anos em apenas 10”, 
afirma.
Segundo o coordenador, os investimentos cobrados, como poços, barragens e 
cisternas, não foram feitos a contento ao longo dos anos, o que facilitou a 
política assistencialista. "Isso faz parte da indústria da seca, pois deixa o 
sertanejo vulnerável, à espera sempre de ações emergenciais."
O diretor do Polo Sindical do Médio São Francisco da Fetape (Federação dos 
Trabalhadores em Agricultura de Pernambuco), Jorge de Melo, também relata que 
políticos e fazendeiros ainda se aproveitam da seca para lucrar. “É só começar a 
escassez de alimentos para ter gente aumentando o preço das coisas. É o que 
chamam da lei da oferta e procura. Além disso, há um claro uso político, que vem 
sendo combatido e está enfraquecendo, mas ainda existe no sertão”, diz.
Para tentar reduzir o desvio político da água, o governo de Pernambuco 
anunciou, na última quarta-feira (16), que os carros-pipa contratados pelo 
Estado serão equipados com GPS e terão fiscalização dos conselhos de 
desenvolvimento dos municípios –que ficarão responsáveis por enviar relatórios 
mensais sobre o cumprimento dos cronogramas.
Mapa mostra as cidades visitadas pelo UOL em quatro 
Estados
 
 
Ganho econômico
Além do uso político, muitos setores da economia também faturam com a venda 
de produtos. Um dos exemplos é a palma (espécie de cacto que serve de alimento 
para o gado). Segundo os moradores, o preço da tarefa de palma (equivalente a 
uma área plantada de 3.053 m²), que antes da estiagem ficava em torno de R$ 
1.200, hoje chega a custar até R$ 2.500 em algumas localidades de Alagoas e 
Sergipe.
“Quem tem sua palma plantada para os seus animais não quer vender. Agora a 
seca é boa para aqueles que plantam a palma como investimento e estão vendendo 
mais caro e lucrando muito”, citou o produtor Vilibaldo Pina de Albuquerque, de 
Batalha (AL).
O carro-pipa também é um negócio rentável. Os preços cobrados pelos 
“pipeiros” no sertão inflacionaram com a seca. “Existe, e muito, a indústria da 
seca. Um exemplo: antes, a prefeitura contratava um carro-pipa por R$ 100 para 
lavar o matadouro. Hoje, para o sujeito trazer a mesma quantidade de água ele 
obra R$ 200. E olhe que o preço do combustível não subiu e ele pega água no 
mesmo lugar”, afirma o secretário de Infraestrutura de Batalha (AL), Abelardo 
Rodrigues de Melo.
 
Em Sergipe, os investidores estão comprando carros-pipa para ganhar dinheiro. 
“Hoje, quem tem um dinheiro sobrando está comprando um carro-pipa para 
distribuir água. Demanda é o que não falta. Aqui estamos precisando de mais, mas 
não há”, diz o coordenador da Defesa Civil de Poço Redondo (SE), José Carlos 
Aragão. "E o carro-pipa não é a solução, e só uma política emergencial. Hoje 
você leva a água, amanhã já precisa de novo. É um investimento de curta 
duração."
Na cidade sergipana –a mais afetada do Estado, com 15 mil pessoas atingidas 
pela estiagem--, o movimento de carros-pipa é intenso e atua em diversos setores 
da economia. Na oficina de Antônio Rodrigues, cresceu a procura por consertos 
dos caminhões. “Hoje 30% do que faturo é com esses carros. Contratei até uma 
pessoa para me ajudar, porque a procura é grande e tem caminhão aqui todo dia. 
Queria não ter mais esse serviço, que aqui chovesse e o povo parasse de sofrer. 
Mas estou trabalhando dignamente.”
Melhores condições
Para o economista Cícero Péricles, apesar da “indústria da seca” ainda 
existir, as condições de enfrentamento do sertanejo à seca atual são melhores do 
que aquelas enfrentadas na última grande estiagem, em 1998.
“Há mais de uma década a política de água obteve ganhos consideráveis pela 
entrada das cisternas e barragens subterrâneas nos espaços da agricultura 
familiar, reforçando os antigos instrumentos, como os poços artesianos, 
tubulares, barreiros, açudes e adutoras. A presença dos órgãos públicos mudou da 
intervenção exclusivamente assistencialista e emergencial para instituições 
públicas, com maior capilaridade, municipalizadas, que fazem a cobertura 
permanente com os programas sociais. A ampliação da Previdência Social no campo, 
assim como de programas de transferências de renda, a exemplo do Bolsa família, 
reduziram em muito a pobreza absoluta no meio rural”, afirma o economista.
Fonte: 
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/05/19/alimentada-pela-escassez-industria-da-seca-fatura-com-a-estiagem-no-nordeste.htm
Nenhum comentário:
Postar um comentário