Antropólogo usa ritual como objeto de estudo e descobre que há mais simbolismos do que o imaginado em um simples "Parabéns". Por Roberta Hoertel
Quantos hábitos incorporamos às nossas vidas sem nos darmos conta? E quais os verdadeiros valores culturais que essas tradições nos revelam? Roberto DaMatta, famoso antropólogo brasileiro, usa o assunto como foco de seus estudos. Sem se desligar de sua especialidade, o Brasil, DaMatta relaciona os rituais consagrados no país à sua cultura. O modo como os ritos de passagem e as manifestações populares acontecem podem revelar fortes traços da cultura de um país.
Recém iniciado em um estudo, DaMatta apresentou suas teses em um curso na Casa do Saber, no Rio de Janeiro. Após ter se dado conta da quantidade de festas de aniversários que já frequentou e, principalmente, das quais foi promotor, DaMatta resolveu estudar sobre o assunto. Logo de início percebeu que poucos estudiosos teorizaram sobre um rito tão rotineiro em todo o país. O tema tornou-se ainda mais interessante.
DaMatta apresentou o estudo, dividido em 20 pontos principais, pela quarta vez no Rio de Janeiro. Em seu discurso, fez questão de salientar que os anos acabaram transformando a maneira como as festas são oferecidas, mas não as fez perder seu objetivo principal. Desde os primeiros registros de festas deste tipo, o objetivo sempre foi o mesmo, e sempre desconhecido por todos que as oferecem. A celebração do ego do indivíduo. “Hoje é seu dia. É isso que todo aniversariante ouve. É um contraste forte com o cotidiano. O aniversariante é um ser separado do grupo e distinto”, explica o antropólogo.
Como tudo que é social, as festas de aniversário não têm referências de origem, mas possuem uma abundância de símbolos quando analisadas de perto. Os presentes, comidas, mesas enfeitadas, as velas, canções e o bolo representam muito mais do que simples itens fundamentais a esses eventos. A comida – “que não mata a fome, apenas abre o apetite” – é oferecida pelos pais do aniversariante em uma relação “estou dando algo para receber”, em troca, os convidados ofertam presentes ao aniversariante. O cuidado dos pais – e isso ocorre principalmente quando o aniversariante ainda é uma criança – em preparar a festa, cuidando de todos os seus detalhes, revela o amor que esses pais têm por seus filhos.
“Antigamente se um pai não oferecesse uma festa ao seu filho era um sinal de que não o amava. E esse papel só podia ser desempenhado pelo pai, ninguém pode oferecer uma festa de aniversário a uma criança de outra família. É preciso que os pais preparem todos os detalhes da festa, celebrando o ego dos seus filhos”.
A vela e o bolo representam o auge do evento. As festas de aniversário são marcadas pelo momento do “parabéns” e de assoprar as velas. “Se alguém chega depois do parabéns, perdeu a festa. É assim que vemos as coisas. E isso diz muito do modo pelo qual construímos a realidade”, argumenta DaMatta.
E o bolo, segundo o antropólogo não é apenas mais um alimento oferecido nestes eventos. Há uma ligação entre os ingredientes e o modo de preparação do bolo e o que se celebra nas festas, a ligação com as origens. DaMatta explica que o bolo é preparado com todos os ingredientes necessários, assim como acontece com um filho. O segundo passo é levar o bolo ao forno e depois de algum tempo retirá-lo, da mesma maneira que ocorre com as gestações. Por último, o bolo precisa ser decorado, vestido para ser apresentado à sociedade, da mesma maneira que os pais fazem com seus filhos.
As festas tornam-se obrigatórias, históricas e estruturais. Tudo isso em um ambiente individual e público. Apesar de celebrarem seus próprios egos, e nada mais, os aniversariantes precisam do outro para essa celebração. “Ninguém canta parabéns pra si mesmo sozinho em casa. A gente precisa dos outros para comemorar o nosso aniversário”.
E de ano em ano a celebração do ego esconde os traços culturais que agregam valores à cultura brasileira.
Fonte: http://opiniaoenoticia.com.br/cultura/apenas-acredite-que-sua-saude-melhorou/?optin
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